Na segunda-feira passada, no Porto, uma
mulher de 28 anos, quando se preparava para entrar num táxi, despediu-se da
amiga com um beijo na boca.
O taxista mandou-a sair da viatura, e quando
esta perguntou porquê, foi agredida com um soco na face, atirada ao chão e
arrastada para a berma da estrada. Tudo isto à frente de mais dois taxista que
nada fizeram para a ajudar.
Não conheço a Sara Vasconcelos, mas saber que
ela foi espancada por um taxista no Porto por se ter despedido da namorada com
um beijo na boca torna-me a existência insuportável.
Não me agrada viver num país em que as pessoas
são agredidas por amarem. E muito menos num sítio em que a agressão se faz
perante o silêncio cúmplice das pessoas que passam sem esboçarem um
gesto.
As causas não são universais por serem
pessoalmente nossas e do vizinho do lado, são assim porque revelam uma situação
de violência sobre os outros que põe em causa toda a nossa humanidade.
Como dizia Rosa Parks, a mulher negra
norte-americana que não aceitou, a 1 de Dezembro de 1955, ser obrigada a dar um
lugar no autocarro a um branco porque as leis a obrigavam: "Desejava ser livre,
e não estava sozinha. Havia muitas pessoas que desejavam como eu a liberdade." E
esse desejo de liberdade, essa intolerância a leis injustas, incendeia almas e
muda as coisas.
Não é por falta de aviso que continuamos nesta
situação intolerável: todos os dias temos notícias do número de mulheres
assassinadas pelos maridos; há uns anos, também no Porto, uma pessoa foi
torturada até à morte por ser transexual; há inúmeros casos de agressões a
raparigas quando saem à noite. E nós olhamos para o lado sem fazer nada.
Estas pessoas foram, como a Sara, violentadas
pela nossa indiferença e pela nossa passividade. Se os agressores tivessem a
nossa condenação física e social, a Sara não teria sido espancada. São
igualmente responsáveis a besta que bate e as pessoas que viram a cara.
Todas essas agressões são semeadas quando não
reagimos, lhes tiramos importância, as convertemos em algo pequeno e risível. A
defesa da liberdade, mesmo da nossa e dos nossos filhos, começa na defesa da
liberdade dos outros.
Não podemos viajar no tempo, estar numa rua do
Porto no tempo e no espaço em que Sara foi esmurrada e pontapeada, mas podemos
tornar impossível a vida destes agressores. Basta não transigirmos.
Publicado no jornal i dia 17 dezembro
2014 por Nuno Ramos de Almeida.
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