sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Na segunda-feira passada, no Porto, uma mulher de 28 anos, quando se preparava para entrar num táxi, despediu-se da amiga com um beijo na boca.

O taxista mandou-a sair da viatura, e quando esta perguntou porquê, foi agredida com um soco na face, atirada ao chão e arrastada para a berma da estrada. Tudo isto à frente de mais dois taxista que nada fizeram para a ajudar.




Não conheço a Sara Vasconcelos, mas saber que ela foi espancada por um taxista no Porto por se ter despedido da namorada com um beijo na boca torna-me a existência insuportável. 


Não me agrada viver num país em que as pessoas são agredidas por amarem. E muito menos num sítio em que a agressão se faz perante o silêncio cúmplice das pessoas que passam sem esboçarem um gesto. 


As causas não são universais por serem pessoalmente nossas e do vizinho do lado, são assim porque revelam uma situação de violência sobre os outros que põe em causa toda a nossa humanidade.


Como dizia Rosa Parks, a mulher negra norte-americana que não aceitou, a 1 de Dezembro de 1955, ser obrigada a dar um lugar no autocarro a um branco porque as leis a obrigavam: "Desejava ser livre, e não estava sozinha. Havia muitas pessoas que desejavam como eu a liberdade." E esse desejo de liberdade, essa intolerância a leis injustas, incendeia almas e muda as coisas. 


Não é por falta de aviso que continuamos nesta situação intolerável: todos os dias temos notícias do número de mulheres assassinadas pelos maridos; há uns anos, também no Porto, uma pessoa foi torturada até à morte por ser transexual; há inúmeros casos de agressões a raparigas quando saem à noite. E nós olhamos para o lado sem fazer nada.


Estas pessoas foram, como a Sara, violentadas pela nossa indiferença e pela nossa passividade. Se os agressores tivessem a nossa condenação física e social, a Sara não teria sido espancada. São igualmente responsáveis a besta que bate e as pessoas que viram a cara. 


Todas essas agressões são semeadas quando não reagimos, lhes tiramos importância, as convertemos em algo pequeno e risível. A defesa da liberdade, mesmo da nossa e dos nossos filhos, começa na defesa da liberdade dos outros. 


Não podemos viajar no tempo, estar numa rua do Porto no tempo e no espaço em que Sara foi esmurrada e pontapeada, mas podemos tornar impossível a vida destes agressores. Basta não transigirmos.





Publicado no jornal i dia 17 dezembro 2014 por Nuno Ramos de Almeida.

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